A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 1.235.340, relatado pelo ministro Roberto Barroso, tem gerado ampla polêmica e suscitado debates acalorados no âmbito jurídico. A tese firmada pelo STF com repercussão geral reconhecida afirma que:

“A soberania dos veredictos do tribunal do júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.

Preliminarmente, convém fazermos um breve contexto das Decisões do STF

As decisões do STF sobre a execução da pena têm passado por uma série de “idas e vindas”. O precedente firmado no ARE 964.246-RG, relatado pelo ministro Teori Zavascki (2016), permitia a execução antecipada da pena após decisão de segundo grau, enquanto o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54 estabeleceu a vedação da prisão provisória (2019), conforme o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP). Este artigo prevê que:

 “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.”

A decisão sobre o trânsito em julgado está claramente definida na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que no seu artigo 6º, § 3º, especifica que “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Portanto, a execução de uma pena deve aguardar o trânsito em julgado, exceto nos casos de prisão cautelar, que não são o foco da presente análise.

A Inconstitucionalidade da Execução Imediata

Considerando que o STF já declarou a inconstitucionalidade da execução antecipada após decisão de segundo grau, a execução imediata após uma condenação pelo tribunal do júri parece ainda mais questionável. A decisão dos jurados, formada por cidadãos leigos e não necessariamente com conhecimento técnico-jurídico, não está imune a questionamentos sobre a adequação e a fundamentação jurídica.

O princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A interpretação dessa norma não permite exceções, salvo aquelas expressamente previstas, o que não é o caso da decisão dos jurados.

A decisão no RExt 1.235.340 contrasta com o entendimento expresso por outros ministros do STF. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, argumentou que a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos vedam a execução imediata das condenações do tribunal do júri, embora a prisão preventiva possa ser decretada com base em fundamentos adequados.

“A Constituição Federal, em razão da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito ao recurso ao condenado (art. 8.2.h) vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente, nos termos do art. 312 CPP, pelo Juiz-Presidente e a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos Jurados.”

Além disso, a ementa das ADCs 43, 44 e 45, de relatoria do ministro Marco Aurélio, reafirma a necessidade de aguardar o trânsito em julgado para a execução da pena, em respeito ao princípio da não culpabilidade e à garantia de defesa.

“PENA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE. Surge constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, a condicionar o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, considerado o alcance da garantia versada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, no que direciona a apurar para, selada a culpa em virtude de título precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da sanção, a qual não admite forma provisória”.

Considerações Finais

Portanto, a decisão do Recurso Extraordinário 1.235.340 representa uma mudança significativa na jurisprudência do STF, que, na prática, pode levar a um aumento da arbitrariedade e a um enfraquecimento das garantias constitucionais. A prisão imediata, independentemente da pena aplicada e sem o trânsito em julgado, é uma medida que, na minha opinião, se alinha mais com práticas de exceção do que com os princípios fundamentais do Estado de Direito.

O momento exige uma reflexão profunda sobre o equilíbrio entre a soberania dos veredictos e a preservação dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Nesse ponto, a garantia da presunção de inocência deve prevalecer, assegurando que a execução da pena apenas se efetive após o devido trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

 

Dr. André De Luca

Advogado Criminalist

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